E os russos? O que Portugal pode fazer.

Lispoeta | Лишь Поэт
4 min readFeb 26, 2022

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A foto que tirei no dia 24 de Fevereiro 2022 na Praça do Município

Os russos

O que é que nós, russos, pensamos do presidente-usurpador? Putancâmon e assassino. Como vemos a nossa sorte? PuLAG. O que sentimos? Vergonha, depressão e impotência. O que temos feito para livrar-nos desta cleptocracia inumana? Há uma década estamos a protestar contra o poder, inspirados principalmente pelo Alexei Navalny, assassinado pelo Putin com a arma química proibida — o novichok e ressuscitado pelos médicos alemães. Mesmo desde a prisão ele mandou a sua mensagem contra a guerra. Quem na Rússia também fala contra esta guerra? A lista não tem fim: professores de escola, médicos, cientistas, os meios de comunicação independentes e com audiência milionária (e portanto considerados “agentes estrangeiros”) como Meduza, TVRain e claro, a equipa inteira do Navalny que faz streams todos os dias. Há protestos nas ruas? Sim. Já foram detidas mais de 2500 pessoas dos que protestaram contra a guerra em Moscovo, São Petersburgo, Novosibirsk, Kazan entre muitas outras cidades.

A Rússia não é Putin

A Rússia é um país pobre onde as eleições são sistematicamente defraudadas. Putin não tem legitimidade: ele próprio re-escreveu a constituição para permanecer ditador a tempo indeterminado. Quem não está de acordo é assassinado, como foi o caso do Nemtsov, ou metido na prisão. Rússia ocupa o terceiro lugar na tabela internacional do número de emigrantes depois da Índia e México, com 10 milhões de pessoas que abandonaram o país nos últimos dez anos. É como se Portugal inteiro fugisse para fora.

Obviamente a propaganda massiva que demoniza a Ucrânia tem os seus sucessos: há russos zombados com ódio irracional. Dos seus sofás baratos e gastos gostam de pensar que moram numa superpotência, e acreditam que os problemas deles acabam com o sucesso da guerra. Mas o rating de apoio a Putin já em 2021 caiu para 31% — nada ficou dos 80% que ele costumava ter. A absoluta maioria está farta dele e quer que nos largue.

O que Portugal pode fazer

Portugal tem tudo para aproveitar de uma vida de luxo: praias, bom clima, boa comida. Exatamente o que os oligarcas adoram.

Portugal também é membro da NATO e tem voz na União Europeia.

Portanto, Portugal pode fazer muito mais do que os gestos corretos e simbólicos que já fez, como iluminar as estátuas mais importantes do país com azul e amarelo. Aqui três sugestões concretas.

1. Fora Abramovich

Desde abril de 2021 Portugal é a nova pátria de um dos homens mais ricos da Rússia — Roman Abramovich, amigo de Putin que gere os seus ativos financeiros no estrangeiro. Senhor Abramovich gosta de dizer que é preciso “ser discreto e não dar nas vistas”. Comerciante de petróleo e ouro, dono do clube de futebol inglês Chelsea, governante durante 8 anos de uma região russa mais remota — Chukotka, inimigo dos venezianos a quem gosta de fechar a vista com a sua mega-iate, possui 14 500 000 000 dólares (14,5 bilhões). Para quem também tem dificuldade em processar este número: são uns 12 orçamentos anuais de Lisboa, ou uma 16-ima parte do produto nacional bruto de Portugal inteiro. Também é o triplo daquilo que tem a portuguesa mais rica de sempre — Maria Fernanda Amorim.

Portugal deve investigar e explicar ao público como é que o Roman conseguiu a cidadania, ainda por cima em tempos recorde de 6 meses (!) — qualquer imigrante vai confirmar que esta é uma velocidade cósmica.

2. Vistos gold

Portugal não torna público quem recebeu residência através dos vistos gold, que dão logo acesso à cidadania.

Sim, o SEF já suspendeu os vistos gold novos para os russos.

Mesmo assim, a Justiça deve investigar todos os vistos gold já concedidos aos cidadãos russos. Haverão ricos legítimos. Haverão também famílias dos corruptos que instigam os russos à guerra com um copo de bom vinho português na mão.

3. Convencer a UE que não se deve fechar vistos para os russos comuns

A República Checa e a Latvia já fecharam os vistos para todos os russos: estudantes, trabalhadores e turistas. A Bélgica quer convencer a União Europeia a fazer o mesmo. É o mais absurdo e contraprodutivo que a União Europeia pode fazer. Isolar os russos comuns significa não permitir que eles aprendam, através de uma experiência direta, os valores europeus. A absoluta maioria dos russos – 60% !!! – não tem sequer um passaporte para viajar para o estrangeiro. Sabem que os vistos são difíceis e caros de obter e perdem a esperança de poder conhecer o outro mundo possível. Os russos comuns são contra a guerra: devem ter a mão estendida para perceberem que Europa não é um inimigo, mas quem apoia os ideais da liberdade e prosperidade.

Aqui preciso explicar algo muito importante: obter um visto para visitar países europeus é já caro e muitas vezes impossível. Os consulados se concentram em Moscovo e São Petersburgo, e quem mora no resto do território vasto da Russia não pode tão facilmente viajar até lá ou pagar um agente para transferir os documentos. Da própria experiência sei a tortura infernal que foi obter um visto de estudante, mesmo tendo uma bolsa de estudos da União Europeia e todos os documentos.

Portugal deve mostrar-se à altura. É o país que pode ensinar a democracia prática aos russos que querem vir cá para aprender sobre o que significa viver em liberdade.

Somos contra a guerra

Somos contra a guerra. Não somos Putin. O inimigo número um do Putin está na prisão. Estamos a fazer tudo que de nós depende para ter uma Rússia livre, honesta e justa. Precisamos de apoio português e internacional para fazê-lo. Juntos queremos construir a paz.

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